14 março 2009

Encontro com Glauber Rocha




" Ao desembarcar na cidade de Salvador, peguei um táxi e pedi para o motorista me deixar num hotel bom e bem barato, que ficasse no centro da cidade. Obviamente dentro das minhas possibilidades financeiras o primeiro requisito teve logo que ser dispensado, e foi assim que eu fui deixado no Hotel São Bento, uma espelunca localizada na ladeira de São Bento.
Entrei no hotel meio desconsolado, me registrei e fui para o meu horrível quarto. A primeira coisa que fiz foi ligar para o Glauber. Ele estava em casa.
__ Oi, aqui é Luiz Carlos Maciel. Sou amigo do Paulo Gil.
__ Onde você está? __ ele logo me interrompeu.
Eu disse a minha localização, olhando com certo desconforto para o meu cubículo. Glauber simplesmente ordenou:
__ Não saia daí. Me espere onde você está.
Sua voz não admitia perguntas nem questionamentos(...)
No máximo meia hora depois, Glauber chegou. Vestia uma calça azul marinho e um paletó de linho branco sobre uma camisa aberta, sem gravata, baiano style. Entrou no quarto, estendeu a sua famosa mão frouxa(...) e imediatamente começou a olhar em volta com cara de nojo. Filmou o quarto nos mínimos detalhes: a parede suja, o armário velho, os lençóis gastos.
__ Você não vai ficar neste pardieiro. Isso aqui é uma coisa horrorosa__ falou segundos depois__feche sua mala e vamos lá pra casa.
Glauber, já no primeiro encontro, me dirigiu como a um ator de seus filmes. Começou a me dar ordens com determinação, dizendo o que eu devia fazer e por quê. Aliás, a forma como falava sempre era assim, impositiva. O talento de um grande diretor transparece na vida: Glauber apresentava uma vocação natural para comandar. Olhou a locação, o cenário, o ator...não gostou, resolveu modificar tudo. Me levou para casa de Dona Lúcia, sua mãe, e eu só pude obedecer. Bem feliz, é verdade, por ter me livrado do cubículo.
Por causa de Glauber e da amizade que surgiu entre nós, acabei estendendo minha viajem(...)voltei para Porto Alegre com vontade de ir morar na Bahia. O que fiz efetivamente uns meses depois(...)
A empatia que teve comigo foi algo muito forte: ele tinha um sentimento de grupo, uma necessidade de formar um círculo de pessoas unidas, pensando da mesma forma, ou de forma parecida, com a mesma garra e força de vontade para criar o novo. Ele cultuava muito a agilidade de raciocínio, a facilidade verbal__ e gostava de se relacionar com pessoas que as tivessem. Como considerou que eu as possuía, me quis ao seu lado para participar do florescimento cultural baiano.
(...) O dínamo incansável para a mudança, naturalmente, era ele próprio. Glauber simplesmente botava todo mundo para trabalhar. Ouvia-o dar broncas homéricas em seus companheiros de geração, naquele bar em cima do elevador Lacerda, perto da biblioteca pública, porque não podia suportar a complacência, a indulgência, a inação.
__ Será que não há juventude nessa terra?__ rosnava, quando sentia que o caldeirão em que cozinhava seu sonho baiano parecia esfriar."

Trecho do livro: "Geração em Transe: Memória do Tempo do Tropicalismo" de Luiz Carlos Maciel, publicado pela Ed. Nova Fronteira em 1996, Pg 51 a 56.

Imagem: Danusa Leão no filme "Terra em Transe" de Glauber Rocha, 1966. O figurino foi criado pelo estilista Guilherme Guimarães.

Um comentário:

  1. Brígida, gosto muito do seu blog! Parabéns. Belo trabalho!

    Beijo,

    Brí
    http://programaclick.blogspot.com

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